A Violência Doméstica e suas raízes: Teoria de “link” ou Teoria do Elo

 

 

Antes de conceituarmos a teoria aqui estudada, que embora não seja muito conhecida é estudada desde o século passado, é preciso ressaltar que a violência doméstica sempre deixa diversas e incontestes consequências: os seus rastros. Não apenas na mulher, que naquele momento figura como vítima, vista isoladamente, mas também em todos que com ela convivem.

A “Teoria do ‘link’” afirma que há uma conexão, ou um elo, entre alguns tipos de violência que verificamos em nossa sociedade. A teoria em si estuda a relação entre os maus tratos aos animais com a maus tratos às crianças, bem como à violência contra a mulher.

A violência doméstica pode ter como vítimas mulheres, homens e crianças, desde que ocorra no ambiente doméstico. No Brasil, a Lei 11.340 de 2006 conhecida como a Lei Maria da Penha foi criada para coibir a violência doméstica, no entanto, que tenha como vítima as mulheres, por questões de política criminal e social, que daria para discorrermos muitas outras laudas para explicar e refletir, mas não é objeto da discussão no momento. Importa que delimitamos aqui nesse estudo a vítima mulher, como a LMP. As crianças e adolescentes são protegidas pela Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), e a Lei Henry Borel Lei 13.444/22 que deve ser aplicada quando há situação de violência doméstica e familiar contra os menores e não a qualquer violência que tenha por sujeito passivo uma criança ou adolescente.

Na LMP encontramos como tipos descritos de violência doméstica a violência patrimonial e a violência psicológica. Quando se fere um animal de estimação, mesmo que não se considere como objeto, devido a alta carga emocional e afetiva demonstrada pelos animais, ele ainda assim é considerado como tal, pelo Direito brasileiro. De imediato, pode-se verificar uma violência patrimonial, visto que o agressor estar a agredir, causando danos à saúde do animal, assim sendo, causando um dano ao patrimônio da vítima. Ainda que não se mencione na lei esse exemplo, o que não impede a configuração, visto que os objetos ali descritos são exemplificativos. Ainda que este bem, não seja de elevado valor aquisitivo, existe uma carga de valor emocional que pode causar problemas de ordem psicológica na vítima. Além da LMP, o Código Penal prevê como crime tais condutas:

Violência psicológica contra a mulher (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)

Lei Maria da Penha- Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

...

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

 

Ocorre que, nem sempre o indivíduo o faz na presença da pessoa por que utiliza esse meio para torturá-la psicologicamente. Por vezes, e o que é mais comum, é que onde há violência contra um membro ou convivente daquela família ou âmbito doméstico outras pessoas sejam igualmente vítimas da violência. A Teoria de Link ou do Elo estuda exatamente essa ocorrência quase que simultânea entre os maus tratos a crianças e animais e a violência contra a mulher.

Através de estudos realizados no Estados Unidos se verificou que mais de 70% das mulheres vítimas de violência doméstica estudadas, relataram que os seus animais de estimação foram agredidos ou ameaçados. Além de 18% alegarem que não foram para o abrigo por que temiam pelos seus animais. No Brasil, verificou-se que 50% das vítimas relataram que seus animais também sofreram agressões (PEREIRA, 2022).

O que mais interessa na Teoria é o estudo do agressor, do porquê ele age dessa forma, do porquê essas violências estão “linkadas” conectadas. Essas perguntas nem sempre são respondidas, mas quando há uma relação entre crimes, o estudo dos crimes de forma isolada pode ajudar no entendimento dessas questões, além de solucionar o crime, pode encontrar possíveis caminhos para a prevenção. Esse estudo cabe a Criminologia e a Psiquiatria Forense, visto que, o fenômeno da violência, apesar de ser considerado “natural” na sociedade possui diversas reflexões.

Ter vivenciado a violência na infância poderá trazer raízes para vida adulta, e uma delas é a reprodução da violência. Não se pode afirmar, lembrando que as possíveis causas dos crimes são diversas, mas de acordo com algumas teorias, longe de qualquer determinismo, a convivência com situações de violência pode afetar um ser humano de forma a construir traumas e outras consequências. “Ah, mas eu vivi em um ambiente violento e não sou violento(a)!” Lembrando que existem muitos tipos de violência, não só a física, não somente gritar e bater. As estatísticas mostram que essa situação é minoria. O que acontece é que na maioria dos casos, as crianças, especialmente, reproduzem essa violência em seu convívio, na escola, com os colegas, com os irmãos e com os animais.

No estudo realizado nos Estados Unidos 32% Das mulheres avaliadas declararam que seus filhos haviam machucado ou matado seus animais de estimação, mostrando que o comportamento agressivo do pai estava sendo passado para o filho (PEREIRA, 2022). O que demonstra uma preocupação não apenas com o problema da causa animal hoje e nem com o problema da violência contra a mulher hoje, mas com esses problemas no futuro. A violência aprendida evidencia-se também através de outras formas de violência, desde a infância, como o bullying.

Um estudo realizado por Dan Olweus acompanhou, durante mais de uma década, um grupo de adolescentes de 12 a 16 anos que praticavam bullying na infância e constatou que pelo menos 60% desses adolescentes cometeram crimes antes dos 24 anos, e que elas tendem a adotar um comportamento antissocial ainda nos primeiros anos da infância 11 . O que corrobora o entendimento de que os bullies são mais propensos a condutas criminosas no futuro (OLWEUS, 1993).

A Segundo Ana Betriz Silva, médica psiquiatra, pode-se observar características de psicopatologias desde a infância até a vida adulta. Segundo ela:

Não há dúvida de que o fenômeno bullying estimula a delinquência e induz a outras formas explícitas de violência, capazes de produzir, em níveis diversos, cidadãos estressados, com baixa autoestima e reduzida capacidade de autoexpressão. Além disso, como já mencionado, as vítimas de bullying estão propensas a desenvolver doenças psicossomáticas, transtornos mentais leves e moderados e até psicopatologias graves. É preciso ainda reiterar a interferência drástica que o bullying produz no processo de aprendizagem e de socialização de nossas crianças e jovens. Para algumas vítimas, mesmo após a interrupção do bullying, as consequências, advindas dessa violência, tendem a se propagar por toda uma existência em decorrência das experiências traumáticas difíceis de serem removidas da memória. Em caso mais graves, quando a violência é intensa e contínua, a vítima pode chegar a cometer suicídio ou atos de heteroagressão e autoagressão (homicídio seguido de suicídio) (SILVA, 2010).

Adultos violentos antes são crianças, possivelmente, violentas. O que a teoria de link no traz como aprendizado para o combate a violência contra a mulher é o fato de que novamente observamos como é complexa a temática e de difícil tratamento. Mas, que o mesmo remédio sempre se evidencia como o único possível, embora demore, a educação dos mais novos atrelado a constante fiscalização ao crimes relacionados ainda é a única forma de vencer esse problema. Onde houver maus-tratos aos animais ou crianças poderá haver violência contra a mulher, fique atenta!

 

Você pode adquirir o livro "A Violência contra a Mulher", 2 edição, no site da Editora Lumen Juris: https://lumenjuris.com.br/direitos-humanos/violencia-contra-a-mulher-a-2a-ed--2022-3338/p

REFERÊNCIAS

OLWEUS, Dan. Bullying na escola: o que nós sabemos e o que nós podemos fazer. Oxford: Publishers de Oxford Blackwell, 1993.

PEREIRA, Annanda. TEORIA DO ELO: RELAÇÃO ENTRE MAUS-TRATOS A ANIMAIS E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO MUNICÍPIO DE BELÉM/PA NO ANO DE 2020. Belem/PA, 2022.

SILVA, Ana Beatriz B. Bullying: Mentes Perigosas nas Escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.